quinta-feira

"Amar é como andar de ônibus. Sem uns solavancos de vez em quando, você acaba dormindo todo o percurso e perde as partes bonitas da viagem", Gabito

Entre uma cerveja e outra sempre penso que as decisões mais sensatas que tomamos são também as mais duras. Dos relacionamentos que tive, que não foram muitos, o que tive com Milena acho difícil que consiga falar decentemente sobre. Eu amo aquela mulher, ela me ama. Mas (sempre) de alguma forma a gente precisava disso, desse desencontro. Nem por isso sinto menos saudade.

Sinto saudade dela quando faço feira,
Sinto saudade dela quando cozinho,
Sinto saudade dela quando tô de ressaca e falta água em casa, 
Sinto saudade dela quando deito numa rede,
Sinto saudade dela quando jogo cartas,
Sinto saudade dela quando procuro um canto pra jantar,
Sinto saudade dela quando faço mala pra viajar,
Sinto saudade dela quando vejo que a cama é grande demais pra mim,
Sinto saudade dela quando vejo a torta do pingo,
Sinto saudade dela rindo,
Sinto saudade dela dizendo que tô podre a cachaça,
Que tô desarrumada, que a comida tá ótima, que não atendo quando liga, dela dormindo no meu ombro ... dizendo que eu nem fui mas que já tá com saudade.


Dos meus dias sobra muito, falta ela. 



sexta-feira

As coisas precisam ser ditas, Milena, ditas. Ou feitas, quando é preciso fazê-las.

descrita: PINTO, T

As vezes a vontade da gente vai diferente. Já não queremos mais a cama daquele lado, a torrada com aquele queijo, trepar daquele jeito ou a cerveja trincando os dentes. 
Tem dia que queremos mudar o mundo; acabar com a fome na África, dar um chute no cu dos EUA, blablabla. Outros dias está tudo bem ficar enterrado na cama ou na beirada de si mesmo remoendo qualquer última certeza de pensamento, só lembrando do final do filme ou a noite.

Acho que é mais ou menos assim que te vejo.
Ombros largos, riso grande, peito forte. 

Creio que não há nenhuma designação única praquela aguinha parada na poça da rua, é simplesmente água. 
Ninguém liga até afortunadamente meter o pé sem querer e gritar uns caralhos. 
Por pura falta de experiência um ou outro se afogam naquela poça maior, a piscina. Repito: por pura falta de experiência, por que ela continua lá sendo apenas água e estando irritantemente parada.

Por isso o mar me encanta. Devora o que lhe apetece e devolve quem de nada serve. 
Acho que é mais ou menos assim que você é. Um pouco só água, mas na maioria das vezes mar. 
Mar de engolir naus e seus capitães; de guardar segredos e sereias. 

Gosto de você assim, sendo quase sempre mar. Sendo mulher inteiramente cíclica, sem insinuação rasteira ou palavra de metade. Que corre atrás de si e, como o mar, volta sempre às costas já visitadas - banhando um ou outro marujo desavisado.

Hay que endurecer

Abri a porta do apartamento sem pestanejar, pelo menos não naquele momento. Dois anos dividindo a mesma cama não tinham sido suficientes pra crer que suas atitudes eram mesmo suas. Sempre fui meio comunista e ligado nessa coisa da revolução, mas não chegaria a imaginar que a chave de casa fosse, talvez, a única coisa que compartilhássemos naquele momento. 

Não dava mais. Eu queria alguém pra dividir a cama, os problemas, os becks. Você queria um idiota pra chamar de seu, apresentar pras amigas e dormir cheirando seu cabelo enquanto um dos seus 'amigos' não estivesse por perto (mais especificamente na minha cama, comendo a minha mulher e usando as minhas roupas).

Que comunista que nada! Você queria mesmo era alguém otário suficiente que te fodesse quando você bem quisesse e não ligasse pros pesadelos noturnos que costumavam te perseguir - além dos diurnos também, mas esses tinham nome, endereço e vez ou outra te mandavam umas flores baratas com sexo em forma de cartão.

Só de pensar que dormi noites e noites naquele sofá de merda na casa do Nando porquê você resolveu cismar com a Renata do 402 me doem as costas. A menina era uma criança! Tá certo que ninguém te liga 3 da manhã pra trocar a luz da cozinha, mas precisava disso tudo?

Maldita transpiração! Minhas mãos suavam tanto que deixei cair o molho de chaves e, pensando que não tava nesse mundo, você acordou. Olhos apertados no meio de uma cama revirada. Papéis e papéis por todos os lados, porque eu realmente não cansava de levar trabalho pra casa. E uma calcinha que era quase um pecado pra aquela hora do dia. Mas eu estava decidido, não importava - pelo menos não mais.

Repassei mentalmente o guião que tinha pensado até ali, apanhei as chaves e tendi até você. Esvaeci-me de joelhos ao lado da cama tentando conferir se todos as falas estavam em ordem e completas, bem o inverso da vida da gente. Me assistias com olhos quase fechados enquanto o resto de sol da janela fitava um sorriso quase imperceptível no canto da boca, daqueles que você sorria quando eu discursava em alguma marcha do partido ou algo assim. Acho que supunhas eu estar pensando em mais uma declaração apaixonada, um punhado de palavras doces ou somente um 'tá afim agora?'. Consegui encontrar teus olhos por mais que expressão alguma conseguisse ler neles; era a hora. 

Antes que eu pudesse transferir qualquer bocado de pensamento pros lábios, você já estava afundada na beirada da cama se livrando dos sapatos nos meus pés e daquela mochila que, não sei como, não fazia parte do meu corpo ainda. 
Onde estava minha indignação? Nunca tinha lido a bíblia mas não precisava ser cristão, crente ou budista pra saber que a força de Sansão foi-se toda com seus cabelos. Nesse caso as madeixas também poderiam ter o nome de samba-canção ou camisa, não importa - pelo menos não agora.

Horas e horas de articulações, justificativas e reflexões jogadas no ralo com um mordisco na orelha, um suspiro na nuca e mãos talento-delicadas (se é que isso existe - se é que você existe).

Este era eu: derrotado e entregue aos braços do inimigo. Os planos haviam mudado de tal forma que meus lábios tinham sido censurados pelos teus enquanto meu léxico se resumia a alguns poucos gemidos abafados. Ideologias de merda, minha revolução era você.

segunda-feira

and tonight i give you my heart;

Sou apaixonada por ela desde o segundo ano da faculdade. Faltava o ar quando ela passava por perto, havia de segurar no braço do amigo mais próximo pra tentar não cair mais da cadeira que estava. Era o sorriso mais lindo, o andar mais seguro e o 'olá' mais musical que me era dado. Meu coração acelerava, mãos tremiam - e só não falo do rosto avermelhado porquê de uns tempos pra cá tenho ficado envergonhada por tudo. 
Nosso contato não havia passado disso: poucas palavras e meu olhar desajeitado, que quando ela percebia eu tratava de disfarçar. 


Como todo amante logo arrumei uma desculpa pra trazê-la pra perto de mim. Tinha que ajudar uma amiga com umas pendências amorosas e lidar com homens nunca foi meu campo de estudo, como sabemos. Então resolvi unir o shoyu ao sushi. Ela era o sonho de muitos marmanjos que conheço/vou conhecer e lidava com isso melhor do que eu com o copo de cerveja. 


Não deu outra, nossa amiga engatou o namoro! E eu ... ah, eu achava a coisa mais linda do mundo ela toda preocupada com o andamento do casal que havíamos unido. Se tava dando tudo certo, se eles tinham se visto, etc ... e sim, 
nos víamos todo dia. E mais um dia, e mais um ...
Como se o resto de tudo desaparecesse e só o nosso mundo fosse realmente interessante. Quando a falta de tempo não ajudava e nossos horários se tornavam impossíveis, a saudade era tanta quanto os dias que teimavam em demorar. 


Perdi a conta de quanto tempo passava pensando no que cozinharíamos quando ela viesse novamente. Amor é isso, é abrir portas e janelas pra entrar, e mesmo quando não desejamos a saída, mantê-las abertas. Cativar é dar motivo pra voltar. 
Nossos dias são bons, nem muito frios e nem muito quentes; são aconchegantes. 


Discutimos música, mas ela escolhe a playlist; discutimos culinária, mas eu escolho o cardápio. 
Amor é aconchego, é completude.

sábado

Salto, O

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.

Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?
Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

Antonio Prata - Publicado na revista Capricho

say you fell the way I do;



Tenho confundido o meu na tentativa de encontrar o teu ritmo, todos os dias. Procuro os compassos, solfejo contigo .. mas isso, de tudo, não é tarefa simples. Entendo as tuas pausas mas não me basta um único verso. Quero de um todo, a canção. De agora em diante sabes de onde continuar. Não te busco mais. 

sexta-feira

Prece.




Talvez se eu começar a me desculpar agora, as desculpas possam parecer mais sinceras. Me pedes opiniões. Dou. O que posso, dou. Deito e tento me enganar, penso que no outro dia será diferente. Se nem aos amigos mais próximos consigo enganar, quanto mais a mim. Basto-me. Conta das angústias, dos medos e das certezas. Perco palavras e acho - meio que por um acaso pré-definido - só aquelas que posso te dizer sem magoar. 

Sem assustar. 

Faço-te tantas orações naquelas palavras. Rogo pra que depois não choremos por nós, leites derramados. Pra que não sejamos ausentes um do outro e nem metades perdidas. Que sejamos inteiros e completos, ainda assim juntos. Entrelaçados. Inteiros que passam e se lêem. É gente que tem besteira de nada em comum e que dá um jeito de se encaixar minimamente em peculiaridades. Quando tá junto nem sabe de si. Sabe só dos dois. De dois. Mas não te preocupes e nem me procures que isso passa. Amor é como esse fumo que me queima a garganta agora. 

Dá e passa. 

A gente puxa, queima e solta. Não me desejes como fumaça, me desejes como escudo.

terça-feira

se não for amor, eu cegue


Pode ser um lapso do tempo
E a partir desse momento acabou-se solidão
Pinga gota a gota o sentimento
Que escorrega pela veia e vai bater no coração
Quando vê já foi pro pensamento
Já mexeu na sua vida, já varreu sua razão
Acelera a asa do sorriso
Mudo colorido, viro ponto de visão
Cai o medo tolo, cai o rio
Quando a terra sai do crio eu estou perto de ti
Abre-se a comporta da represa
Desviando a natureza pra um lugar que eu nunca vi
Uma vida é pouco para tanto
Mas no meio desse encanto tempo deixa de existir
E é como tocar a eternidade
É como se hoje fosse o dia em que eu nasci
Livre, quando vem e leva
Lava a alma, leva e vai tranquila
E a pupila acesa do seu olho disse love
Bem, se não for amor eu cegue
Bem, se não for amor eu fico
Eu sigo, sigo, sigo, eu fico cego por ti
Eu fico cego por ti